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O olhar do Homem-Deus

Os olhos do Santo Cristo dos Milagres não evocam tanto o Jesus que atemorizou os vendilhões do Templo, mas Aquele que pedia a Pedro, João e Tiago que O acompanhassem, por estar sentindo uma tristeza mortal.


Raphaela Nogueira Thomaz


Afirmava o Papa Pio XII que tudo se reflete nos olhos: não só o mundo visível, mas também as paixões da alma. "Mesmo um observador superficial", dizia o Pontífice, "descobre neles os mais variados sentimentos: cólera, medo, ódio, afeto, alegria, confiança ou serenidade".1

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Com efeito, quando duas pessoas conhecidas se encontram na rua e se cumprimentam, basta se fitarem para saber como o outro se encontra. E, se um deles perceber indícios de estar o amigo passando por dificuldades, procurará em seguida ajudá-lo. Pois, em certas circunstâncias, um olhar revela mais do que mil eloquentes palavras.


Ora, se tanta profundidade há no olhar das meras criaturas, o que dizer do Homem-Deus?


Dos olhos de nosso Salvador, diz São Jerônimo, "irradiava um como que fogo celestial e em sua face brilhava a majestade da divindade".2 Eles eram, com certeza, riquíssimos em expressão, brilho e até colorido, transmitindo ao interlocutor uma inesgotável torrente de imponderáveis, cuja fonte só podia ser divina.


O olhar de Jesus, escreve Plinio Corrêa de Oliveira, era "muito sereno, quase aveludado... No fundo, porém, revelando uma sabedoria, retidão, firmeza e força que nos enchem ao mesmo tempo de encanto e de confiança".3


Ora, transcorridos mais de dois mil anos desde que Cristo iluminara a Terra com sua presença, ter-se-á fechado definitivamente para nós a possibilidade de contemplar aqueles olhos que fitavam cheios de amor os seus coetâneos, convidandoos a penetrar nos abismos de seu Sacratíssimo Coração?


Cada povo tende a considerar a figura humana de Nosso Senhor de acordo com a própria vocação. Assim, o espírito sereno, despretensioso e acolhedor do povo português leva-o a notar em Jesus especialmente sua paternal solicitude e afeto.


No país do qual o Brasil herdou a Fé, raras são as imagens do Redentor que manifestam a cólera divina ou aquela forma de dor lancinante, tão habitual nos crucificados e Nazarenos da vizinha Espanha. As pinturas e esculturas portuguesas, ainda que representem uma cena da Paixão, refletem sempre a doçura e paciência com que Jesus aceitou os maiores tormentos para nos salvar. E esse é justamente o traço que mais impressiona na imagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres venerada na ilha São Miguel, do arquipélago dos Açores.


Esculpida há três séculos, ela representa o momento em que Nosso Senhor, com as faces marcadas pelos maus tratos dos soldados romanos, era apresentado por Pilatos a um populacho que gritava: "Crucifica-O! Crucifica-O!" (Jo 19, 6).


Aos que desta imagem se aproximam, comove-lhes especialmente seu olhar, porque a expressão desse Ecce Homo reflete uma bondade e desejo de perdoar inefáveis, e convida até os mais empedernidos pecadores a se beneficiarem do manancial da misericórdia divina.


Os olhos do Santo Cristo dos Milagres não evocam tanto o Jesus onipotente que multiplicou os pães e os peixes ou atemorizou os vendilhões do templo, mas Aquele que, no início de sua agonia, pedia a companhia de Pedro, João e Tiago, por estar sentindo uma tristeza mortal (cf. Mt 26, 38). Através dessa imagem, Nosso Senhor mostra às almas o que lhes falta para serem puras, enquanto lhes suplica que deixem de ferir sua Sagrada Face com pecados e imperfeições.


Diante de tanta bondade, a alma lusitana, como a de todos os filhos da Santa Igreja, é convidada a permanecer unida ao Coração Divino, aconteça o que acontecer. Lembrando que, embora às vezes possa parecer distante, Jesus sofreu por nós ao ponto de Se julgar abandonado pelo Pai no alto da Cruz, para nos obter a salvação.


(Revista Arautos do Evangelho, Abril/2012, n. 124, p. 50-51)


Fonte: Arautos

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